Fão
Na Vila de Fão, antigo centro salineiro da Idade Média, destaque para o seu núcleo histórico.
Na antiga estrutura urbana da Vila, na margem esquerda do Cávado, quando calcorreamos as suas ruas é fácil de constatar a grande influência que a cultura brasileira operou nos inícios do séc. XX, através do gosto brasileiro dos ricos “torna-viagem” que mandaram erigir notáveis residências. Estas marcas estão bem patentes, por exemplo, no atual Largo do Cortinhal, na imponente residência de Pinto de Campos, comandante da Marinha Mercante, assim como no topo sul da Alameda do Bom Jesus. É neste espaço que Francisco de Campos Morais, fundador da casa Campos Morais & C.a, na cidade de Rio Grande do Sul, implanta o seu “palacete”, recriando um ambiente tipicamente brasileiro.
Comecemos então a nossa viagem pela Alameda do Bom Jesus. No topo sul vale a pena procurar a Igreja do Bom Jesus de Fão, um edifício dos inícios do século XVIII, como bem mostra o seu estilo, típico dos santuários de peregrinação. Hoje, convida a um passeio ameno pelos jardins. A fachada principal está voltada a norte, do lado sul existe uma torre provida de gárgulas e coroada de pináculos. Sobre a porta principal, um frontão quebrado, encimado por uma rosácea elipsoidal. Este templo foi acarinhado e beneficiado pela família real portuguesa, na pessoa do rei D. Luís I. Por esse facto ostenta na fachada as armas reais portuguesas. O interior é em forma de cruz latina com abóbadas de pedra e paredes forradas a azulejo. No altar-mor encontra a figura do Senhor dos Passos, localmente referido como “Senhor de Fão”. Todos os anos, no fim-de-semana imediato à Páscoa, a população da freguesia de Fão encarrega-se de promover a secular e grandiosa romaria em honra do seu patrono. Segundo a tradição, uma mulher terá encontrado uma imagem do Senhor Jesus Cristo, enterrado num atoleiro, na margem esquerda do rio Cávado. Essa imagem seria o mote para a construção do templo, hoje existente, e para a realização desta romaria, que data do séc. XVI. Digno de registo e de visita é o maravilhoso tapete elaborado com pétalas de flores que é verdadeira "tela pintada", símbolo da grandeza, da doação e da dedicação dos fangueiros ao milagroso Bom Jesus, o seu Bom Jesus de Fão.
Não muito longe desta Alameda, do outro lado da EN 13, junto ao extremo poente do Cemitério Paroquial, situa-se a Capela de Santo António da Fonte, com fachada voltada a norte e datada da segunda metade do século XVII. Num nicho encontrará a imagem de Santo António, em pedra pintada, sob um brasão. A frontaria da capela remata com um frontão triangular, sustentando no seu interior uma cruz de pedra. Junto da fachada oeste procure uma fonte de mergulho; para aceder à fonte terá que descer os sete degraus que aí foram montados em 1850. A fonte está sob um arco de volta inteira, no cimo do qual ainda se consegue ler uma inscrição que nos indica uma data: 1684, provavelmente a data de construção da fonte.
Era tradição, que vai sendo esquecida, os namorados atirarem a pedrinha para o orifício da pedra que serve de frontispício à fonte. Não se trata de propiciar no local da fonte um encontro de namorados, sob a proteção de Santo António. As fontes fornecem a água para o dia-a-dia e nelas se encontravam os pares. O rito de atirar a pedra pretende saber o prazo e sucesso do casamento.
Voltando à Alameda do Bom Jesus e continuado para norte através da Avenida Dr. Henrique Barros, encontramos a Capela de Nossa Senhora de Fátima, próximo do Clube Fãozense. É um pequeno templo de meados do século XVIII, outrora de invocação de Nossa Senhora da Lapa, de inspiração barroca que pertenceu à Casa dos Carneiros. Os motivos barrocos estão bem patentes nas molduras que ornam a porta de entrada e a rosácea que ilumina o interior. Culmina em frontão contra-curvado com dois pináculos laterais a flanquear uma cruz trilobada em pedra. Presentemente tem a parede exterior revestida a azulejo de cariz vegetalista, em tom de azul e branco. No interior sobressai um altar em talha dourada de técnica barroca. No chão há a sepultura da proprietária da vizinha casa brasonada e que tem, para além do escudo, a seguinte legenda: S. DE BONIFACIA SOVSA PP.ra DE MOURA CARNEIRO E SEVS HERDEIROS IN PERPETVM 1759
Na Av. Dr. Manoel Paes situa-se a Igreja da Misericórdia. É um templo de traça renascentista e data de finais do século XVI. Logo do exterior é possível adivinhar-lhe a estrutura: uma só nave, com uma torre sineira adossada na fachada poente. Sobre a porta e sobre a fachada principal os frontões marcam o ritmo e a ornamentação deste templo, em que o branco das paredes contrasta com os granitos dos ângulos e das molduras de portas e janelas. Mas entremos... a única nave da igreja conduz o olhar do visitante para o altar-mor, numa cabeceira de planta retangular e cobertura em abóbada de madeira. A talha dourada pontua nos locais costumeiros... note a decoração do arco triunfante e dos pequenos nichos que o ladeiam. Aproveite o momento e visite o Museu de Arte Sacra da Igreja da Misericórdia, mesmo aqui ao lado.
Bem perto, o Largo do Cortinhal, paredes meias com o rio Cávado, é muito procurado pelos habitantes e visitantes para conversarem e apreciarem simplesmente a beleza do local.
A Igreja Paroquial de Fão, na Rua Prior Gonçalo Viana, sob a invocação de S. Paio, é um templo de edificação entre os séculos XVII e XIX, que sofreu alguns estragos motivados pelas intempéries. Em 1838 a invasão das areias obrigou ao arranjo do telhado. Se procurar no interior, na capela-mor, encontrará os vestígios mais antigos deste edifício: duas portas, uma delas ostentando a data de 1673. O resto do edifício é bem posterior, com sucessivas remodelações ao longo do século XIX. Quase no final do século, em 1893, foi erigida a torre. A fachada mostra um gosto oitocentista típico, com o seu ar sóbrio e o frontão simples mas elegante. Também os pináculos que ornamentam esta fachada são claramente de oitocentos.
As Alminhas do Cais, na continuação da rua Azevedo Coutinho, junto aos bombeiros, foram erigidas como forma de perpetuar a memória das vítimas da tragédia ocorrida num episódio de naufrágio da barca de passagem (séculos XVII e XVIII) que existiria perto daquele local no rio Cávado.
Poderá agora vislumbrar a ponte de Fão, de seu nome oficial Ponte D. Luís Filipe, que liga as duas margens do rio e que foi, durante mais de um século, a principal travessia do Cávado na orla costeira. A ligação entre o Porto e o Alto Minho atlântico, e a Galiza, fazia-se, necessariamente, por aqui. A ponte data de finais do século XIX, mais precisamente de 1892. É uma ponte típica desta época, com um tabuleiro em estrutura metálica assente em apoios graníticos, ritmados ao longo de todo o curso. O desenho deste elegante exemplar da arquitetura do ferro deveu-se a Abel Maria Mota. Na época da sua construção, vivia em Barcelos o Eng.º Eiffel e, por isso, é usual ser-lhe atribuída alguma inspiração na conceção desta ponte. Este exemplar do património da Arquitetura Industrial encontra-se classificado como Imóvel de Interesse Público, desde Janeiro de 1986, por decreto do Governo n.º1 de 3 de Janeiro.
Tomemos o caminho, pela Av. Raul de Sousa Martins, para Ofir, estância turística de veraneio mundialmente conhecida, com a sua extensa praia de areias finas contornadas por dunas com vegetação rasteira. A praia de Ofir é uma beleza! E o pinhal de Ofir também não desaponta! Os grandes pinheiros mansos dão uma sombra bem-vinda nas horas de maior calor, e o ondular suave das dunas monta um pinhal que, sem ser monótono, convida à tranquilidade. Mas Ofir também é animação: os bares, os hotéis, as discotecas, o frenesim dos agitados dias e noites de Verão fazem desta uma das zonas mais procuradas da região. De Inverno, o sossego instala-se, mas nos dias ensolarados e frios, quando o Atlântico não se lança furiosamente contra as dunas, um longo passeio pela praia pode ser uma maravilha também.
Ao longe, no mar, os lendários Cavalos de Fão (rochas). Reza a lenda que, junto à costa de Ofir, atracavam em tempos remotos os navios do grande Rei Salomão, que vinham na demanda do ouro. E muito ouro carregaram nestas paragens os servos desse Rei. Certo dia, Salomão, que queria agradecer aos habitantes destas terras o muito que deles recebera, mandou que carregassem nos seus navios maravilhosos cavalos, que enviaria como oferenda para Ofir. Já perto da costa, uma repentina volta do tempo, com vagas grandiosas e rugidos de vento como só o Atlântico é capaz de produzir, fez afundar os navios e com eles os cavalos. Mas os duendes, que rondavam a praia, petrificaram os cavalos, transformando-os nos rochedos que, em dias de bonança, vemos à tona d’água e que, em dias de tempestade, se transformam em leques de espuma branca, dia e noite, fustigados pelas águas do Oceano. E, pela obra dos tais duendes, lá ficaram para sempre os cavalos, semi submersos, espiando perfidamente algum navio que por piloto descuidado ou marinhagem inexperiente se aproxime demasiadamente destas costas... e já muitos aqui naufragaram, esfacelados nos “Cavalos de Fão”.
Prosseguindo um pouco para sul, através da estrada que leva a Apúlia (EM 501), tomemos a direção do Lugar da Bonança para visitar o Facho e Capela da Senhora da Bonança. O Facho funcionou como farol para os navegantes até que novas dunas se formaram entre a sua localização e a costa, tornando-o inútil. Mas enquanto funcionou, ajudou muitos mareantes a fugir dos perigosos “Cavalos de Fão” que espreitavam qualquer barco desatento ou de piloto inexperiente destas águas. É um edifício do século XVI, construído em cantaria. No seu topo, um caldeirão com matéria inflamável a arder provocava uma luz que funcionava como um farol e ajudava os marinheiros a evitar os perigos, assinalando também um ponto de referência para a entrada do porto. Foi abandonado em 1834 e terá ainda servido posteriormente como presídio. Muito perto encontramos a Capela da Senhora da Bonança, onde os homens do mar vêm pedir proteção para a atividade piscatória e as viagens marítimas. Essas preces tomam geralmente a forma de siglas, que são testemunhos de heráldica popular, ou de Ex-Votos, obras de arte de uma ingenuidade tocante pela beleza e pelas emoções que nos permitem adivinhar.
No Lugar dos Lírios, um pouco a sul da Bonança, o Cemitério Medieval das Barreiras é dos mais significativos monumentos deste tipo em toda a Península Ibérica. O número de sepulturas que foi possível identificar ascende a cerca de duas centenas e as datações oscilam entre os séculos XI e XIV. Tal facto deveu-se ao avanço das areias, verificado a partir do séc. XV, que selou por completo este local, mantendo-o preservado e intacto até ao momento em que se registaram as primeiras intervenções arqueológicas, finais da década de 80 do séc. XX. Os últimos enterramentos realizados neste cemitério terão sido contemporâneos da Peste Negra que devastou as populações europeias. Calculam-se níveis de mortalidade por toda a Europa que terão atingido metade ou até dois terços da população, deixando lugares, vilas e cidades quase despovoados. Entrar neste cemitério não deixa de nos fazer evocar esse período, em que ao medo da morte pela fome ou pela guerra, que assustava o homem medieval de uma forma que dificilmente podemos imaginar, se juntou o medo da peste, num completar da terrível trilogia tardo-medieval de “fome-peste-e-guerra”.